TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.266 - Disponibilização: terça-feira, 31 de janeiro de 2023
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Por esta razão, encontrando-se o processo apto a receber a resolução do mérito no estado em que se encontra, passo à sua
análise.
A preliminar de ausência de interesse de agir não deve prosperar. Como é sobejamente sabido, para que se configure o interesse de agir por parte do autor, faz-se necessária a presença do binômio necessidade-adequação, vale dizer, é preciso que a
prestação jurisdicional buscada seja necessária à satisfação do direito pleiteado, bem como que a via escolhida seja igualmente
adequada para tanto.
A imposição da utilização da via administrativa como condição para a prestação jurisdicional configura ofensa ao princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, conforme segue:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Importante enfatizar que o inciso VIII do art. 6º do CDC possibilita a inversão do ônus probandi, com o escopo de facilitar a defesa dos direitos do consumidor. Tal inversão, contudo, não é automática – ope legis - dependendo das circunstâncias concretas
preencherem os requisitos legais, de acordo com a apreciação do magistrado (ope iudicis). O ônus da prova só deve ser invertido
quando o requerente tiver dificuldades para a demonstração do seu direito dentro das regras processuais comuns ditadas pelo
CPC, e presentes a hipossuficiência (econômica ou técnica) ou a verossimilhança da alegação.
Entretanto, ainda que a lide envolva uma relação de consumo, que privilegia o consumidor através da inversão do ônus da prova, este não está dispensado de produzir mínima prova a amparar sua alegação, sob pena de afastar a verossimilhança do seu
relato ou ainda não deixar clara a sua dificuldade técnica ou econômica de comprovar o alegado.
Compulsando os autos, percebe-se que a inicial traz a surpresa da autora com a negativação promovida pela ré, negando genericamente a existência de débitos.
O réu trouxe comprovante de cessão de crédito da referida dívida. Verifica-se nos autos a presença de contrato de aquisição de
mercadorias, por financiamento, este com a assinatura da parte autora, bem como documentos pessoais da autora fornecidos
quando da contratação.
Apenas após os esclarecimentos promovidos pela ré, em contestação, trazendo o suporte probatório correlato, sobre a cessão
de créditos, vem a juízo impugnar genericamente a dívida concreta, sem ter se manifestado pela produção de qualquer outra
prova para afastar a prova produzida pela parte ré, do contrário, quedou-se silente.
No que concerne à falta de notificação da cessão de crédito, alegada pelo autor, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que tal omissão faculte ao devedor o pagamento da dívida diretamente ao antigo credor, não
sendo obrigado a repeti-lo novamente ao cessionário. Entretanto, tal omissão permite ao cessionário e adquirente do crédito, a
prática de atos de conservação do crédito, nos termos do art. 293 do CC. Veja-se:
Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios do
direito cedido.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CESSÃO DO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO AO
DEVEDOR. EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA. ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL. CITAÇÃO. CIÊNCIA DA CESSÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O objetivo da notificação prevista no artigo 290 do Código Civil é informar ao devedor quem é o seu novo credor, a fim
de evitar que se pague o débito perante o credor originário, impossibilitando o credor derivado de exigir do devedor a obrigação
então adimplida. 2. A falta de notificação não destitui o novo credor de proceder aos atos que julgar necessários para a conservação do direito cedido.
3. A partir da citação, a parte devedora toma ciência da cessão de crédito e daquele a quem deve pagar. 4. Agravo regimental
improvido.
(AgRg no AREsp 104.435/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 18/12/2014)
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CESSÃO DE
CRÉDITO. FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. EFEITOS. 1. Ação declaratória de inexistência de dívida movida pelo devedor contra o cessionário, objetivando a declaração de inexistência de dívida e a exclusão do seu nome dos cadastros de inadimplentes, por não lhe ter sido comunicada a cessão de crédito. 2. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que a
cessão de crédito é ineficaz em relação ao devedor, enquanto não lhe for notificada. 3. Fica assim liberado o devedor que efetue
o pagamento diretamente ao antigo credor (cedente), não sendo obrigado a repeti-lo novamente ao cessionário. 4. Entretanto,
a ausência de notificação quanto à cessão de crédito não tem o condão de liberar o devedor do adimplemento da obrigação ou
de impedir o cessionário de praticar os atos necessários à conservação do seu crédito, como o registro do nome do inadimplemente nos órgãos de proteção ao crédito. 5. Inteligência do enunciado normativo do art 290 do CC. 6. Precedentes do STJ. 7.
RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp 1401075/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2014, DJe
27/05/2014)
Diante dos elementos trazidos pela ré, entendo que a requerida se desincumbiu do seu ônus probatório, afastando a verossimilhança das alegações autorais, que não restaram comprovadas.
Portanto, não se verifica a ocorrência de ato ilícito perpetrado pela ré, no que concluo pela legitimidade da dívida e inscrição
impugnadas.